Quem ao menos passou os olhos pelas notícias nos últimos meses deve ter se deparado com as discussões em torno do impacto das apostas online na sociedade brasileira.
Com a popularização dessas plataformas (reconhecidas como “bets” e que chamam a atenção justamente pelo famoso “jogo do tigrinho” e seus similares), vem crescendo a preocupação sobre possíveis consequências graves.
Englobando desde a saúde mental até a capacidade de consumo das famílias, são várias as dimensões que podem ser afetadas por tal comportamento, sobretudo quando ele sai de controle.
Além disso, cresce o número de relatos de crianças e de adolescentes diretamente afetados, exigindo uma atenção urgente de todos os responsáveis.
Os danos do vício em jogos para a saúde mental
Há várias décadas a medicina reconhece o que costumeiramente é chamado de “vício em apostas” como um problema de saúde mental.
Atualmente, essa condição recebe o nome de Transtorno do Jogo. Anteriormente, o quadro já era denominado ludopatia ou jogo patológico.
Seja como for, esse fenômeno é compreendido como o padrão de apostas repetidas e que continua mesmo quando interfere em diversas áreas da vida de uma pessoa.
Embora o diagnóstico dependa da avaliação cuidadosa de um psiquiatra ou psicólogo, alguns sinais de alerta devem chamar a atenção para o problema. Entre os principais deles estão:
- Pensamentos constantes sobre o jogo de azar.
- Aumento das quantias apostadas para sentir a mesma satisfação.
- Tentativas frustradas de parar de jogar ou ao menos reduzir o tempo dedicado à prática.
- Irritabilidade sempre que tenta se afastar do jogo.
- Realização de apostas em situações de estresse, ansiedade ou tristeza.
- Busca por recuperar eventuais perdas.
- Ocultação do envolvimento com o jogo perante pessoas próximas.
- Perda de oportunidades profissionais por conta do hábito.
- Empréstimo de dinheiro para continuar jogando.
Em paralelo, o indivíduo diagnosticado com transtorno do jogo pode apresentar ainda sintomas característicos de quadros de depressão ou ansiedade. Além disso, não é raro que essas pessoas também convivam com o abuso de determinadas substâncias (como álcool ou drogas ilícitas).
O peso financeiro das apostas e as crises familiares
O impacto financeiro do vício em apostas é igualmente devastador, inclusive entre pessoas cuja renda restrita já torna a organização das contas do dia a dia um desafio por si só.
Segundo levantamento do Instituto Locomotiva realizado em agosto de 2024 com pouco mais de 2 mil pessoas de 142 cidades brasileiras, cerca de 86% dos jogadores têm dívidas e 64% estão com os nomes incluídos em listas de devedores.
A pesquisa constatou que 45% dos entrevistados jogadores admitem que as apostas já causaram perdas financeiras.
Enquanto isso, 37% dizem ter usado dinheiro destinado a outras coisas importantes para continuar apostando. Por fim, 30% afirmaram ter “prejuízos nas relações pessoais” por conta do jogo.
Com isso, muitos jogadores compulsivos acabam comprometendo o sustento doméstico e gerando conflitos no núcleo familiar, em um ciclo de difícil resolução.
O impacto das apostas online em crianças e adolescentes
O cenário é ainda mais preocupante quando se considera o envolvimento de crianças e adolescentes. Profissionais e pais de alunos estão cada vez mais se deparando com a presença do jogo nos ambientes escolares.
Até então, não existem dados específicos ainda sobre a realidade brasileira nesse segmento etário. No entanto, estudo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) de 2021 revela que 22% dos adolescentes norte-americanos começaram a apostar com 11 anos ou menos.
A combinação de estética chamativa, as mecânicas de recompensas imediatas e as armadilhas que incentivam uma exposição precoce é a receita que coloca esses jovens em risco.
Como o cérebro nessa idade é mais suscetível a essa enxurrada de estímulos, o vício em jogos pode resultar em desequilíbrios emocionais e dificuldades de socialização, com reflexos também na vida adulta.
Orientações básicas para lidar com crianças e adolescentes diante dos jogos
Os responsáveis por uma criança ou adolescente que apresenta um comportamento problemático relacionado a esse tipo de hábito devem sempre:
- Conversar de forma amigável sobre as experiências da criança com esses jogos, criando um espaço de confiança.
- Explicar o risco do vício (tanto financeiros quanto para a saúde) e demonstrar porque ele pode ser tão prejudicial.
- Ficar atento aos influenciadores com os quais a criança tem contato, já que esse é um veículo comum de promoção dessas plataformas.
- Restringir o acesso do jovem aos dispositivos eletrônicos, principalmente na escola e durante outras atividades.
O que está sendo feito para regulamentar as apostas online
O governo brasileiro sancionou a lei Nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, com o objetivo de regulamentar e minimizar os danos causados por plataformas de apostas a partir de janeiro de 2025.
A legislação tem abrangência sobre os chamados jogos de quota fixa (apostas em resultados esportivos) e aplicações cujo resultado se dá a partir da distribuição de números aleatórios, similares àqueles de cassinos.
A lei impõe limites de tempo de uso, bloqueio de cadastros de jogadores compulsivos, idade mínima para cadastro e campanhas educativas sobre os riscos do vício, entre outras medidas para conter o risco de dependência. Apesar de importante, tudo isso, em muitos casos, pode não ser suficiente.
Dicas práticas para ajudar quem está enfrentando problemas com o jogo
Se você ou alguém próximo está enfrentando problemas com jogos de azar, algumas medidas podem ajudar na recuperação do controle:
- Reconhecer o problema, uma vez que admitir que o jogo está causando prejuízos emocionais e financeiros é o primeiro passo.
- Estabelecer limites e definir regras claras sobre o tempo e o dinheiro gastos em jogos.
- Procurar ajuda profissional com psicólogos e psiquiatras. Eles podem indicar o tratamento adequado para o transtorno. Isso pode incluir psicoterapia e, em alguns casos, medicação.
- Envolver a família e contar com uma rede de apoio, algo fundamental na superação da compulsão.
Pessoas em cargos de gestão preocupadas com o rendimento e o bem-estar de seus colaboradores devem atuar para identificar possíveis sinais de comprometimento com tais motivações dentro do ambiente de trabalho.
Pode haver interferências sobre indicadores de absenteísmo e produtividade, por exemplo. Oferecer ferramentas de suporte psicológico pode ser uma estratégia inicial eficaz para abordar a questão.
Em resumo, o impacto das apostas online sobre o bem-estar mental, as finanças e os relacionamentos são nítidos. Crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis, tornando fundamental o fortalecimento de campanhas de conscientização. Assim, a assistência de profissionais de saúde mental é essencial para gerenciar adequadamente cada quadro.
Este conteúdo foi elaborado pela equipe da CARE Global Partners, sempre pensando no seu bem-estar e no cuidado com aqueles que você ama.
Referências
“Pandemia” de bets avançou mais rápido que surto da covid-19 no Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-08/pandemia-de-bets-avancou-mais-rapido-que-surto-da-covid-19-no-brasil
What is Gambling Disorder?
https://www.psychiatry.org/patients-families/gambling-disorder/what-is-gambling-disorder
Crianças e adolescentes brasileiros sob risco de mais exposição a apostas online
https://andi.org.br/infancia_midia/criancas-e-adolescentes-brasileiros-sob-risco-de-mais-exposicao-a-apostas-online/
A STUDY OF ADOLESCENTS’ KNOWLEDGE, ATTITUDE AND PRACTICE TO GAMBLING
https://www.unicef.org/georgia/media/6916/file/A%20Study%20of%20Adolescents’%20Knowledge,%20Attitude%20and%20Practice%20to%20Gambling.pdf