A manutenção da saúde mental da mulher em qualquer idade esbarra não apenas em questões individuais, como também em uma série de aspectos sociais e até mesmo econômicos.
Reflexo disso é o fato de que 45% das mulheres brasileiras relataram algum diagnóstico psiquiátrico antes mesmo da pandemia de Covid-19. Isso inclui quadros de depressão e de ansiedade, entre outros distúrbios que comprometem o bem-estar, a qualidade de vida e a produtividade.
Esses dados são do relatório “Mulheres Exaustas: Empobrecimento, Sobrecarga de Cuidados e Sofrimento Psicológico Feminino“. O documento foi elaborado pela organização não governamental Think Olga. O levantamento, feito em 2023, ouviu pouco mais de mil mulheres entre 18 e 65 anos de todo o país.
Alguns fatores que interferem na saúde mental feminina
É difícil separar qualquer forma de adoecimento psíquico do contexto social em que uma pessoa está inserida. Tal constatação parece ser ainda mais relevante quando se considera a saúde mental feminina.
Em um primeiro instante, basta considerar o peso de inúmeras responsabilidades e de tudo o que a sociedade espera de uma figura feminina. Depois, é fundamental incluir nessa equação a forma como todos os espaços acabam sendo injustos (e muitas vezes hostis) com a presença das mulheres.
Por isso, toda discussão em torno desse componente do bem-estar deve incluir determinadas considerações, algumas delas apresentadas nos tópicos abaixo.
Desigualdade de oportunidades e a falta de reconhecimento no mercado de trabalho
As mulheres recebem, em média, 20% a menos que os homens ocupando os mesmos cargos em empresas com mais de 100 funcionários. Essas informações são do Segundo Relatório de Transparência Salarial, elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Ele considera dados de 2023.
Muitas vezes essa desigualdade salarial é consequência do fato de que mulheres também aparecem sempre atrás no número de representantes ocupando cargos de liderança.
Não é raro que elas enfrentem o fenômeno do “teto de vidro”. Em outras palavras, isso significa que, mesmo com as competências necessárias, a mulher não consegue avançar na carreira, atingindo um limite de progressão (frequentemente invisível) mais rápido que seu equivalente do sexo masculino.
Essas considerações sobre salários e cargos não devem excluir o fato de que também o próprio acesso ao mercado de trabalho é um desafio. Em 2023, a taxa de desemprego entre elas esteve acima da média nacional.
Invisibilidade do trabalho feminino
Outro tópico por muito tempo negligenciado é a forma como mulheres se dedicam a diversas atividades sem que necessariamente sejam remuneradas por isso. Assim sendo, fala-se cada vez mais na chamada carga de trabalho invisível dessa fatia da sociedade.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, as mulheres acumularam, em média, quase 10 horas a mais de trabalho de cuidado com a casa ou os parentes do que os homens.
Essa diferença inclui ainda todo o tempo dedicado ao trabalho efetivamente remunerado. Ou seja, cada intervalo adicional voltado para afazeres domésticos, cuidados com filhos e familiares retira tempo de atividades de trabalho, educação, lazer e descanso. Combinados, todas esses são atividades que contribuem, cada um a seu modo, com a prevenção do adoecimento psíquico.
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Diferentes dimensões da violência de gênero
Todos os dias, pessoas de diferentes idades, raça e renda são vítimas de violência física, sexual, psicológica ou material apenas pelo fato de serem mulheres. A esse fenômeno se dá o nome justamente de violência de gênero.
A exposição a essas situações, ou apenas o temor de que isso aconteça em algum momento, certamente é algo que influencia no bem-estar de qualquer uma.
O relatório do Think Olga destacado na introdução mostra também que uma em cada seis mulheres aponta esse aspecto como um fator de comprometimento da saúde mental.
E tal receio não é infundado. A 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo DataSenado, indica que três em cada dez mulheres já foram vítimas de violência doméstica em algum momento da vida.
Violência Obstétrica
O risco de ser vítima de alguma forma de agressão não diminui nem mesmo quando as mulheres vão dar à luz.
Na prática, isso faz com que elas sejam afetadas pela conduta inadequada de profissionais de saúde que exploram o momento de vulnerabilidade para cometer abusos de natureza física e psicológica. Em resumo, isso é o que define a chamada violência obstétrica.
De acordo com dados da Fundação Perseu Abramo, uma em que cada quatro mulheres relata ter sofrido alguma violência do tipo.
Pressões estéticas e padrões de beleza irreais
Um quarto das mulheres entrevistadas pelo Think Olga dizem que a necessidade de atender a determinadas expectativas quanto à sua aparência contribui para a piora da saúde mental.
Boa parte disso é resultado de parâmetros que são baseados quase sempre em perspectivas irreais de beleza, feminilidade e de como uma mulher deve ser ou agir.
Diante disso, pode haver um comprometimento de aspectos como a autoestima e a satisfação com a imagem corporal. Então, fica mais fácil entender por que as mulheres são as mais atingidas por transtornos alimentares, como a anorexia e a bulimia.
Artigo sobre o tema mostra que até 8% das mulheres apresentam um quadro do tipo. Enquanto isso, o número de homens com tais condições fica abaixo dos 2% do total da população. Tais complicações tendem a ser ainda mais relevantes em mulheres jovens, adolescentes ou mesmo crianças do sexo feminino.
Etarismo
A pressão estética é um obstáculo até mesmo para que mulheres envelheçam de forma saudável, evidenciando o etarismo que as tem como um alvo mais destacado.
Assim, é comum que estereótipos sobre o que se espera de uma mulher à medida que os anos passam sejam reforçados, incluindo nisso o julgamento da aparência, das suas capacidades no mundo profissional e até mesmo a respeito de processos naturais do organismo feminino, como a menopausa.
Do mesmo modo que outras formas de exclusão, não é raro que isso aconteça de modo velado, inclusive com uso de expressões inadequadas. É bem fácil encontrar uma mulher ouvir que “não tem mais idade para isso” ou que “não parece ter a idade que tem”, por exemplo.
Medidas que podem ajudar a promover a saúde mental da mulher
Toda a sociedade precisa contribuir para que qualquer espaço seja capaz de acolher adequadamente a presença feminina, tratando qualquer uma delas de igual para igual.
Nas empresas, isso passa pela manutenção de ambientes seguros, pela igualdade de oportunidades e pelo apoio irrestrito para corrigir distorções e oferecer o suporte necessário sempre que houver tal demanda.
Nesse sentido, Programas de Apoio ao Empregado com suporte psicossocial profissional diante de situações inesperadas, terapias integrativas e soluções educativas são ferramentas valiosas para promover iniciativas relevantes na promoção do bem-estar.
Além disso, estabelecer limites saudáveis na relação do trabalho com as demais esferas da vida pessoal é fundamental para fazer da saúde mental da mulher uma prioridade permanente independentemente do que aconteça.
Este conteúdo foi elaborado pela equipe da CARE Global Partners, sempre pensando no seu bem-estar e no cuidado com aqueles que você ama.
Referências
Mulheres ganham 20,7% menos que homens em empresas com mais de 100 funcionários, aponta 2° Relatório de Transparência Salarial
Diferenças de gênero no mercado de trabalho
https://portal.fgv.br/artigos/diferencas-genero-mercado-trabalho
Women and Mental Health
https://www.nimh.nih.gov/health/topics/women-and-mental-health
“Mulheres Exaustas: Empobrecimento, Sobrecarga de Cuidados e Sofrimento Psicológico Feminino”
https://lab.thinkolga.com/wp-content/uploads/2023/10/LAB-Esgotadas-4out-1.pdf
Desemprego de mulheres e negros termina 2023 acima da média nacional
Em 2022, mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas
Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher – DataSenado 2023
Gender Differences in Treatment Outcomes for Eating Disorders: A Case-Matched, Retrospective Pre–Post Comparison
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9183188
Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaço Público e Privado
Women in Leadership Face Ageism at Every Age
https://hbr.org/2023/06/women-in-leadership-face-ageism-at-every-age